quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Cozinha, bruxaria hereditária e minha família


Me descobri bruxa de cozinha quando tinha uns 17 anos e desde então a bruxaria e os rituais elaboradíssimos perderam o sabor, não no sentido de não mais terem valia, mas a conotação que eu dava ( e a maioria dos que conheço que ainda dão), qd era adolescente.

Porque hoje vejo a bruxaria e o paganismo tão distante (embora não veja problema algum em ambos serem "trabalhados" ao mesmo tempo) quanto o céu da terra.

Bruxaria está por toda parte, por todas as culturas e povos...

Porque enxerguei a bruxa que era minha avó, com suas ervas e chás para dor de barriga e sua comida que a todos encantava, assim como no interior de Minas, na cidadezinha de onde vieram meus familiares maternos e de como por lá existem benzedeiras e raizeros: curam com plantas e rezas, conquistam pelo café e o simples biscoitinho de queijo.

Parece que esse mundo "caipira" se tornou mais encantado que antes e parece que ninguém enxerga isso; me sinto uma caipira pós-moderna (como diz sempre a Márcia Frazão), que ama morar num sítio e pode colocar o pé no chão.

Tenho um desejo enorme de ter uma cozinha caipira com fogão a lenha e poder conversar na madrugada, tendo o fogo como companheiro, que esquenta a água para o chimarrão.

Tenho pensado tanto no meu tio zizinho, que é raizero: faz garrafada, tintura, chá.

Os filhos não dão a mínima pra ele e eu, desde pequenina, corria atrás dele, só pra aprender mais e mais. Ele é espírita kardecista e isso contribui para que trabalhe como voluntário, curando as pessoas, assim como me curou qd eu tive otite.

Eu sempre achei o máximo ter essas duas pessoas tão próximas de mim!

E minha mãe, que manda os espíritos irem embora, fala "rasgado" com eles e tem um olhar fulminante; minha tia marlene é a espiritualista da casa e sempre me incentivou (ela joga tarot comigo e sempre que estou em sua casa, os papos variam tanto, mas sempre caem na bruxaria rs), entre tantas outras histórias minhas, da minha família que é única e intransferível, que faz ser quem eu sou...

Hoje minha mãezinha (era como eu me referia à minha avó) está com as estrelas e lembro tanto de suas histórias, que serão recontadas aos netos.

Ela era tão bruxa que sabia que nunca conheceria meus filhos (Dhayaram nasceu um ano após sua "passagem"), assim como sabia que estava para partir, uma semana antes e avisando a mim, ao meu marido e à minha tia marlene.

Ela sabia e por isso deixou tudo pronto para quando chegasse o momento.

E foi, como um passarinho...bateu suas asas e, durante o vôo, lembrou-se de sua filha-neta e me visitou se despedindo e deixando conselhos.

Eu a amo e continuarei a amar para sempre, ela me ensinou a adorar a Deusa, através de suas santas e sua forma de enxergar a vida.

Suas histórias sobre a festa que faziam na colheita do café e das cantorias em volta da fogueira em noite de lua cheia ( na lua nova, ninguém saía de casa, por causa da escuridão), de como a minha tataravó tratava os escravos: mesmo antes da abolição da escravatura, ela abriu mão de ter escravos e os tinha como empregados, com salário e tudo (inovador pra época e eu adorava falar isso nas aulas de história, sentia muito orgulho dessa atitude!).

Por vezes, quando estou na cozinha, sinto seu cheiro, escuto sua voz e isso me faz enxergar a verdadeira tradição que devo dar continuidade e isso é familiar; penso nos infinitos debates virtuais sobre bruxaria hereditária e etc's, que me cansa.

Dizem que isso não existe.

Será que ninguém percebe que em toda família, pagã ou não, existe uma tradição e que esta deixa de ser tradição quando não é passada para a geração seguinte?

Será que é tão difícil entender que bruxaria não é uma religião organizada e estruturada?

Que o não ter um método também faz parte da bruxaria?

Alô? Será que tem alguém me escutando?

7 comentários:

Unknown disse...

essas palavras, trazem boas lembranças p mim, tanta coisa boa q existiu e hj mal se ver, esse contato e troca c a natureza, vivo um pouco assim hj, perto da natureza, falando c ela, c a deusa... sim, tem algém te ouvindo. abraços.

Taíka disse...

Sim!
Escutei tudinho com imenso prazer.
Rotular...é só isso: colar uma etiqueta em algo...Etiqueta que um dia vai ficar velha e cair...O Algo, que de tantos nomes não pertence a nenhum, esse permanece. Acho que esse algo é puro ato...experiência...vida!
Vida como a sua e de sua família. Bruxa hereditária, de cozinha (gosto dessa denominação!), bruxa de Fato, ou feita...wicca gardeneriana ou qualquer outra...neopaganismo...Qual deles não existe? Como negar a existência de algo que se dá "em ato"?
Que sobre sua cozinha, chova a bençãos dos antigos!

Fenix Daymond disse...

Eu estou escutando...e também partilho do mesmo pensamento...Sou bruxa Hereditária...de fogão...Aliás, foi de cócoras ao lado de um fogão a lenha que minha vó passou seus conhecimentos a mim...Ela também já fez a passagem...mas a amo e sinto sua presença constante em minha vida...por vezes me pego dizendo:" como diria minha vó"...E hoje tento passar o legado a meu filho que da mesma forma que eu bebe o conhecimento sem frescura....

Pimenta disse...

Abençoada essa hereditariedade!
assim, somos a continuação, o recomeço e a confirmação dos legados amorosos.
Bruxinha de fogão,eu também sonho com um fogão á lenha, numa tafona de chão batido, á um passo dos canteiros...
adoeri teu espaço,volto um dia.
bjo

Anônimo disse...

Estou ouvindo, sim, e concordo.Por que essa necessidade de sistematizar e rotular tudo?
Adorei o texto, muito belo e sensível!

Beijos

Comadres Faceiras disse...

"Bendito aquele que dá asas e raízes"...
Simplesmente mágico estar aqui...OBRIGADA de coração e Alma por tantas maravilhas compartilhadas...
Que possamos tecer histórias, e mais histórias, eassim, deixar escrito no livro de nossas vidas tal qual, um poema gravado em cada coração que encontrar...assim como, o seu.

Beijos e abraços carregados de Boas Vibrações

Namastê!

Oriana Shakti disse...

Adorei, Dhanna!
que lindo...
heheh, vc tem me feito companhia nos últimos dias aqui no trabalho... ah, que sensação boa! sentar aqui do outro lado e tomar um chazinho e ouvir suas prosas...
beijinho!